por PGAPereira. Primeiro, a chuva
que começou a cair sobre as áreas atingidas pela seca trouxe alegria: após dois
anos de uma provação que parecia ter ficado no passado, o verde surgia e a água
voltava para os rios, açudes e barragens. Pouco tempo depois, essa mesma chuva
trazia assombro: hospitais e postos de saúde de dezenas de municípios recebiam
uma quantidade inédita de pessoas com sintomas de doenças diarreicas agudas (DDA), que pode levar principalmente
crianças e idosos à morte. Em Pernambuco, os números espantam: 46,5% dos
municípios (86 cidades) estão em zona epidêmica (regionais de Arcoverde,
Caruaru, Limoeiro, Goiana, Afogados da Ingazeira e Petrolina são as mais
atingidas). Outros 41,1% estão em zona de alerta (76 cidades, sendo mais
vulneráveis as regionais de Serra Talhada, Palmares, Salgueiro, Ouricuri e
Garanhuns). Segundo a Secretaria de Saúde do Estado, que não divulga a lista
dos municípios, mas as gerências onde eles estão de janeiro a junho, seis
óbitos foram causados pela DDA (cinco mulheres e um homem). Número pode
aumentar porque outros casos esperam confirmação. Alagoas apresenta situação
mais dramática: são 48 mortes, 11 delas em Palmeira dos Índios.
Em Arcoverde, Sertão de Pernambuco,
o número de doentes que procurou postos de saúde e hospitais é espantoso: em
junho de 2012 foram 364 pessoas com DDA, este ano, no mesmo período, 1.720
pacientes apresentaram sintomas como vômito e diarreia forte, além de hepatite
A, outra doença associada à água infectada. Historicamente, o período da chuva
se caracteriza pelo aumento de bactérias e vírus na água, mas a quantidade de
doentes e mortos vista agora demonstra que há algo mais sério acontecendo.
Misturam-se diversos problemas e várias omissões. Um é o flagrante de não
preparo dos governos federal, estadual e municipal em se antecipar a um
problema já esperado. Boa parte da água distribuída em carros-pipa, por
exemplo, tem como responsável pelo tratamento o próprio pipeiro. Há, ainda, uso
incorreto (ou ausência) do cloro ou hipoclorito de sódio, distribuído
gratuitamente pelo governo. Há quem prefira limpar a casa e lavar roupas com o
material, no lugar de tratar a água. Não possuem a noção de que estão
consumindo água misturada com morte. No Sítio Salgadinho, zona rural
arcoverdense, havia dessa água. Toda a família de Juliana Santos da Silva, 22
anos, e do agricultor Júlio César de Lima, 29, sofreu diarreias fortes e
episódios de vômitos. Os três filhos do casal foram hospitalizados: César
Augusto (8) e Caio (6) voltaram para casa, mas Juley, 4 anos, não resistiu e
morreu no mesmo dia em que foi levada ao hospital. Em seu atestado de óbito,
constam colite aguda, dano alveolar e choque como causas da morte. A colite
pode estar associada a parasitas como Escherichia, amoeba e Entamoeba
histolytica, transmitidas pela contaminação fecal na água. Juliana diz que a
filha estava bem quando, no dia de sua morte, acordou com diarreia. Foi levada
a um médico ao meio-dia. Às 17h, estava morta. César e Caio também estavam
doentes: o último passou oito dias internado. Os meninos estavam contaminados
pela bactéria Shigella, comum nas infecções que assolam o Nordeste pós-chuva.
Origem- A água que abastece as cisternas da região
vem do Poço Brejo, em Buíque, vizinha a Arcoverde. O Exército, responsável por
900 carros-pipa no Estado, capta água no local e leva até as casas (o órgão
também busca água de um poço da Compesa, em Tupanatinga). Muitas vezes, uma
única cisterna serve a diversas famílias, como é o caso da existente na
residência do agricultor Ivanildo Lima, 53, avô da menina morta (ele também
ficou doente). Depois que a família foi acometida pela DDA, a cisterna ficou
lacrada por quase um mês. A análise revelou água contaminada por coliformes. “Usamos
a água trazida pelo Exército para tudo. Nunca tivemos problema, foi a primeira
vez que ficamos doentes”, diz Juliana, tentando não chorar, na frente de
desconhecidos, a perda de sua filha mais nova. Segundo Maria Lourdes, 43, mãe
de Juliana e avó de Juley, só depois que várias pessoas do sítio apresentaram
diarreia e vômito, o hipoclorito de sódio (em frascos de 50 ml) começou a ser
distribuído na localidade. “Era difícil passar um agente de saúde aqui. Agora,
eles vêm.” Apesar de tratar a água para beber com o hipoclorito, tanto Juliana
quanto Julio, assustados com a perda da filha, passaram a comprar água mineral
para os dois filhos. “Pesa no orçamento, mas é melhor assim. Não confio mais
nessa água.”Segundo Isaac Salles, gerente da Vigilância em Saúde de Arcoverde,
a população recebe o hipoclorito nas visitas dos agentes. O município conta
hoje com 103 agentes, quando precisaria de mais 70 para que as ações
preventivas fossem mais efetivas. “Falta também cuidado das pessoas”, observa,
apontando para a cisterna da casa de Ivanildo. Na hora em que a reportagem
passava no local, galinhas estavam sobre o reservatório (fechado). Na casa de
Juliana, reservatórios também estavam fechados e não havia lixo espalhado. A
comida estava bem acondicionada. Sugere que, naquele lar, não foi falta de
higiene ou cuidado com a água que matou a menina de 4 anos.
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