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quinta-feira, 25 de abril de 2013

Os sequelados pela esquistossomose em Pernambuco


por PGAPereira. A sina de pessoas expostas à falta de saneamento e, por consequência, à esquistossomose, é cruel quando não se consegue vencer efeitos do verme no organismo. Nas cidades em que o Programa de Enfrentamento das Doenças Negligenciadas da Secretaria Estadual de Saúde encontrou elevada transmissão e precária cobertura de água tratada e rede de esgoto, muitos são os sequelados. Chama a atenção crianças e adolescentes com doença grave, um indicador da atualidade do problema. Os irmãos Maria do Bom Despacho da Silva, 46 anos, e José Severino, 60 anos, desde a infância sempre tomaram banho de rio. Os preferidos eram o Tracunhaém e o Ribeiro, que passavam perto da casa deles, na zona rural de Aliança, município da Mata Norte, a 90 quilômetros do Recife. O que os dois não sabiam é que esse hábito tão aparentemente inofensivo e prazeroso iria mudar o rumo da vida deles quando a maturidade surgisse. Aos 42 anos, ela ficou paralítica e ele, a partir de 2012, passou a sofrer com hemorragias digestivas. Cada um tem um tipo de manifestação da esquistossomose, a doença negligenciada por décadas pelas políticas de saneamento e saúde. Maria do Bom Despacho e Severino moram em Upatininga, uma das 15 regiões críticas de Aliança, mapeadas pelo Sanar. Até hoje as pessoas de lá usam rio e fontes d’água duvidosas. Ao entrar no lugar, é comum ver gente empurrando carro-de-mão com tambor d’água retirada de cacimbas. Uma espécie de chafariz com água da Barragem do Engenho Gameleira, segundo moradores, também abastece o lugar. Mas, em razão do baixo nível dos mananciais, “o fornecimento é interrompido mais cedo”, conta um funcionário que toma conta do serviço municipal. Além disso, moradores e visitantes têm o hábito de nadar no rio como atividade de lazer. Na Ponte do Cipoal, desfrutam de uma queda d’água da água do Tracunhaém, que recebe esgoto sem tratamento e é habitat de caramujos infestados por larvas do parasita da esquistossomose. “Começou com um bolo na barriga, comecei a evacuar preto e a vomitar sangue”, conta Severino, que está afastado do trabalho no campo. A irmã dele parou totalmente de andar, depois que apareceu uma dor na coluna. Ela chegou a ser internada no Hospital da Restauração, no Recife, mas não conseguiu mais retomar os movimentos. Vive, agora, dependente da filha e do pai. A grande carga parasitária entope órgãos do aparelho digestivo, causando varizes de esôfago ou cirrose hepática. Ao mesmo tempo, pode se alojar na medula, causado a neuroesquistossomose, caso de Maria do Bom Despacho.
          Em Timbaúba, município vizinho de Aliança, também na zona canavieira, uma das vítimas da paralisia tem apenas 17 anos. O estudante Edvan Silva, morador do Centro da cidade, provavelmente foi infectado ao dar banho no cavalo de estimação, no Rio Capibaribe, que corta o município e é considerada outra fonte d’água contaminada. “Ele adoeceu aos 14 anos. Começou com uma dor na coluna numa sexta-feira e não conseguiu se levantar mais no domingo. Tinha perdido as forças das pernas”, conta a dona de casa Maria Cláudia da Silva, mãe do garoto. Edvan passou 30 dias internado no setor de Neuropediatria do Hospital da Restauração, no Recife, que diagnosticou a doença. Passou um ano em cadeira de rodas e vem recuperando gradativamente os movimentos, após tratamento medicamentoso e fisioterapia. “É muito ruim ficar assim”, diz o estudante, com lágrimas nos olhos. A doença atrapalhou os estudos e o seu principal lazer, que é andar a cavalo. A fisioterapia deixou de ser intensiva por causa da dificuldade de deslocamento ao Recife. Em Bom Conselho, no Agreste, o agricultor Sebastião Flauzino Pereira, 55 anos, que planta e cria animais no Sítio Frexeira, também ficou um ano sem andar. “Quando comprei a terra não sabia que aqui era a casa do xistossoma”, diz. Ficou três meses internado no Hospital Getúlio Vargas. “Foi muita sorte ter voltado a andar”. Apesar de ter sentindo tão diretamente o peso da doença, continua se expondo a uma nova infecção. “Já tomei remédio para o verme oito vezes e vou continuar tomando. Queira ou não queira, temos que por o pé na água”, afirma. Perto de lá, já próximo ao Centro da cidade, o mecânico José Heleno Machado Monteiro, 45 anos, sofre tetraplégico e sem diagnóstico certo. “Passei 90 dias no Hospital da Restauração. Saí de lá com uma bactéria Escherichia coli, uso sonda uretral e não tenho como fazer fisioterapia, pois me faltam companhia e transporte. Minha irmã, que cuidava de mim, está com câncer”. Ele chegou a iniciar tratamento no Hospital Sarah Kubitschek, de Salvador, onde desconfiaram de neuroesquistossomose. Sem acompanhamento médico domiciliar, embora more perto de um posto de saúde, o PSF José de França Rocha, Heleno aguarda apoio governamental.

Mortes  -  Por ano, em Pernambuco, morrem mais de 200 pessoas vítimas da esquistossomose. Nesse número, não estão incluídas aquelas em que a doença é considerada causa secundária. Essa frequência é a mais alta do País, pois aqui se registra um terço de todos os óbitos brasileiros causados pelo xistossomo. Uma das últimas vítimas foi Antônio Seabra da Paixão, 65 anos, natural de Timbaúba, área de transmissão permanente. Ele faleceu no dia 15 de março último, com hemorragia digestiva e choque hemorrágico, na UPA de São Lourenço da Mata, cidade onde residia. Foi vítima da doença e da assistência fragilizada da rede SUS, em que pacientes graves não conseguem transferência imediata para hospitais especializados nem são devidamente monitorados em ambulatórios de referência. “Chegamos depois das 16h à UPA. O primeiro médico que atendeu Antônio viu que a situação era grave e disse que ele seria transferido para o Pronto-Socorro Cardiológico ou para o Hospital  Agamenon Magalhães. Quando o plantão foi assumido por outra médica, ela resolveu pedir raio-X e exame de sangue. A transferência para o Agamenon ficou para mais tarde. Chegamos por volta das 2 horas ao HAM e lá não tinha mais vaga, retornamos à UPA na ambulância. Ele já estava pior, começou a vomitar sangue, perdeu mais de três litros e morreu às 5h18”, descreve a viúva, Corina Paixão. Antônio tomou banho de rio na juventude e só há três anos, num primeiro episódio de hemorragia digestiva, havia descoberto a esquistossomose. Na época, após atendimento emergencial no Hospital da Restauração, passou três meses recebendo tratamento no Hospital Oswaldo Cruz, mas de lá recebeu alta e não vinha tendo mais nenhum acompanhamento. As mortes por esquistossomose ocorrem também em jovens e crianças. Em Ipojuca, no Engenho Pará, uma das áreas críticas identificadas pelo Sanar, Maria Antônia e José Gomes da Silva sofrem até hoje com a morte da neta, Eveline, ocorrida há sete anos. “Ela tomava banho no Rio Ipojuca como todo mundo. De uma hora para outra, aos 11 anos, começou a ficar amarela, com anemia. Precisou ser internada”, conta a avó. Depois do diagnóstico e início da terapia – “o verme tinha penetrado no fígado dela”– voltou a ser hospitalizada para continuar o tratamento, mas acabou morrendo logo em seguida. O irmão mais velho, Erivelton, hoje aos 22 anos, tem hipertensão pulmonar causada pelo verme e vive graças a acompanhamento mensal no Pronto-Socorro Cardiológico de Pernambuco.

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